sábado, 27 de dezembro de 2008

A Catapula de Estrelas - Parte II



... Ainda era noite lá fora quando em sua oficina ele organizava as ferramentas e planejava mentalmente o primeiro esboço da catapulta. “A madeira deve ser forte o suficiente para provocar um arremesso até as estrelas e flexível o suficiente para ser envergada sem quebrar”. O vento frio soprava no vidro de sua janela e entrava suavemente por uma pequena fresta no encaixe da janela com a parede. Um pouco de neve se via caindo, bem em frente a um céu azul escuro com tons de anil perto do horizonte onde se ensaiava um tímido amanhecer. O silêncio era tão grande que se podia ouvir um agudo eco entre os assobios do vento pela fresta.

Então ele abriu seus velhos livros de Arquitetura & História da Arte e no capítulo “A Arte da Guerra” encontrou o que estava a procurar. Um projeto de execução de uma catapulta capaz de lançar bolas incendiárias a uma distância de 3 km. Pensou “Oras, pode ser facilmente adaptada para laçar estrelas para o céu, só precisa de um pouco mais de alcance. O ponto aqui é a propulsão, o arremesso feito por uma corda jamais alcançaria as estrelas, preciso de um combustível muito mais potente.” E o que seria mais potente que a própria matéria prima que se gostaria de arremessar? O próprio brilho e força das estrelas seria capaz de executar tal tarefa, mas primeiro seria necessário encontrar aqui na Terra alguma estrela que quisesse ser arremessada e mais ainda, estivesse disposta a fornecer a energia necessária para erguer a si mesma a tal altitude.
Pegou sua redinha de caçar borboletas e pôs-se a caminho da cidade enquanto pensava como iria fazer para encontrar tais estrelas. “Não dá pra usar os sorrisos das crianças, elas ainda não estão maduras o suficiente para irem para o céu. Preciso de algo com brilho intenso e ao mesmo tempo que esteja maduro. Mas onde encontrarei tal material raro?”
Após exaustivas horas procurando sem nada de valor encontrar, sentou-se numa pedra à beira de um pequeno riacho congelado e se abraçou para evitar um pouco do frio cortante que por ali passeava.

Sem maiores avisos uma jovem moça de sorriso radiante e brilho no olhar se aproximou e vendo-o com frio, ofereceu seu manto para que ele se aquecesse; era bonito de ver a compaixão dessa pessoa. Agradecido e com seus músculos enrijecidos pelo frio, levantou-se com dificuldade e colheu alguns gravetos secos pelo chão a fim de acender um pequeno fogo e preparar um pouco de chá para os dois. A jovem já havia escolhido um lugar confortável sobre uma pilha de folhas secas e um tronco e se sentara. O fogo foi aceso e o carpinteiro contou-lhe o que lhe sucedera ate então e a moça prestativa e bondosa resolveu ajudá-lo.

“Você não encontrará esse material tão raro e incandescente assim na rua.“ Disse a jovem após tragar um longo gole de chá. “Você terá de prepará-lo. Pegar o material bruto e poli-lo até que brilhe como um cristal.”

- Mas como hei de fazê-lo? A luz intensa irá certamente me cegar.

- Não se seu brilho for equivalente. Assim você já estará acostumado com essa luz e não mais se cegará. – Disse ela numa voz suave.

- E como posso eu polir a mim mesmo? Tenho eu dentro de mim também o brilho das estrelas?

- O senhor já teve o brilho no sorriso quando era criança? – perguntou ela.

- Sim.

- Então está tudo ai; só um pouco empoeirado e opaco talvez. Nada que uma boa polida não resolva.

O carpinteiro sorveu o chá lentamente, deixando que o líquido quente escoasse para dentro de si como se fosse uma boa e prazerosa idéia.

- Já sei – disse ele num impulso. – Irei polir a mim mesmo tanto quanto possível ao passo que irei polindo também minha matéria prima. Assim cresceremos juntas em brilho e serei capaz de polir tanto quanto minhas forças me permitirem. Ah. Deveria ter escolhido o ofício de serralheiro, eles sim sabem como polir o metal.

- Mas o material que irá usar é muito mais raro do que simples ouro ou outro metal comum, é mais do que diamante, é algo inteiramente novo. E terá de desenvolver por si mesmo um ofício completamente novo para lidar com tal maravilha.

- E assim será. – disse ele serenamente, satisfeito por ter compreendido um pouco mais sobre a tarefa a qual se propusera...



(Continua)

sábado, 20 de dezembro de 2008

A Catapulta de Estrelas (Parte I)


Certa vez um artesão carpinteiro, enquanto observava o céu salpicado de estrelas e ficava maravilhado com sua beleza, se sentiu inundado por uma sensação de plenitude e teve a inspiração para uma grande idéia: iria construir uma catapulta de estrelas. "Elas estão lá em cima hoje em dia, então foram parar lá de alguma maneira. Basta que eu descubra como foram parar lá e poderei colocar mais estrelas no céu para que fique ainda mais estrelado." pensou.

Pôs-se a descer o morro onde se encontrava observando o céu. Sua cidade ficava numa região montanhosa, cheia de altos montes e vales e as aldeias se espalhavam em varias altitudes desde a mais alta montanha até o vale com um riozinho.
Retornando para sua casa ele foi elaborando no caminho o modo de concretizar sua idéia e quais seriam os pré-requisitos necessários para vê-la colocada em prática.

"Do que são feitas as estrelas? Qual o material que as torna tão brilhantes? Devem ser feitas do mesmo material dos sorrisos das crianças afinal não há nada mais brilhante que o sorriso puro de uma criança." E contente por ter descoberto o material do qual se fazem as estrelas, foi entrando na oficina e subindo as escadas em direção ao banheiro para escovar os dentes antes de dormir. Deitou-se na cama ainda encantado pelo brilho e pela sensação desta noite estrelada e esqueceu aberta a janela do topo do chalé e adormeceu aconchegado em suas cobertas enquanto alguns flocos de neve e uma brisa suave e fria entravam quarto adentro.

Embalado em seu sonho pelo som do vento, ouvia no seu sono como que uma música que logo o fez ouvir uma voz que lhe falava em harmonia com a música. A voz era clara; ele se encontrava num campo aberto, com flores e luz do sol, e a voz lhe falava suave e firmemente ressoando às vezes em uníssono com os sinos de vento do teto do chalé:


"Saiba que é capaz de realizar sua idéia, pois tens a prática que o ofício de carpinteiro te deste de trabalhar a madeira e transformá-la em um mecanismo eficiente um material bruto. Mas a madeira é matéria morta, então essa habilidade é terciária.


Tens a força e a vontade necessária para empreender o trabalho, teus braços são fortes e seu estômago suportará a fome quando tiveres de trabalhar por dias seguidos sem alimento. E apesar da matéria do qual teu corpo é feito ser viva, ela não tem brilho, e por isso, tua força é uma capacidade secundária.


Mas existe em teu coração uma chama que te inspira e essa chama move teu corpo e direciona sua técnica, e é essa chama que provoca o brilho em teu sorriso. Essa chama é a matéria da qual são feitas as estrelas, e isso é o principal!"

Despertou suavemente no final da madrugada ainda antes do nascer do sol, e pôs-se a trabalhar...

(continua)

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Esse tal do trabalho interno...

Eu estava pensando nesse tal de trabalho interno... Que é um trabalho diário, de longo prazo... Achei essa idéia tão interessante! Ter sempre algo para fazer comigo mesma. Pareceu uma idéia tão acolhedora... Tão companheira. É algo meu, comigo mesma, íntimo, silencioso, penetrante. Que reverbera em todo o meu ser e, conseqüentemente, no meu semelhante. Mas ainda assim, é algo particular. Que não dá para explicar muito bem. Que eu consigo perceber, de fato, o que melhorou, onde progrediu. E isso basta. Basta que eu saiba, basta que eu perceba, basta que eu compreenda, basta que eu aceite.
E como diria Fernando Pessoa através de Ricardo Reis:

"Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive."